O dia que encontrei Carlos Pena Filho, Francisco Brennand e João Cabral de Melo Neto no bar Savoy

por AMÂNDIO CARDOSO

Era o dia 28 de junho de 2020, quando decidi, no final da tarde, mandar um whatsapp para uns amigos meus para irmos tomar umas Antarcticas geladas no bar Savoy. Pronto, marcado às 19h. Dez minutos depois da hora marcada, cheguei ao Savoy. Como sempre, o Recife inteiro estava lá. O Savoy é o point da cidade. Sempre que entro nesse bar, por alguns segundos, me fez recordar o saudoso Central. Logo que cheguei notei que os meus amigos ainda não haviam chegado, mas por sorte encontrei a última mesa vazia que ainda restava. A mesa de tampo de mármore, tinha três cadeiras de madeira escura e várias tulipas de cerveja usadas. Sentei, e ao meu lado estavam: Carlos Pena Filho, Francisco Brennand e João Cabral de Melo Neto. Com o Savoy lotado, as mesas estavam muito juntas umas das outras e isso deu a sensação de estar com eles na mesma mesa, de tão perto que fiquei, especificamente de Carlos Pena Filho. Ouvir a conversa que vinha da mesa deles foi inevitável. Estavam todos comemorando algo relacionado a Carlos Pena Filho, mas não deu para entender exatamente o que era. Neste momento, chega para mim um whatsapp de um dos meus amigos dizendo que iria atrasar um pouco. Ok. Voltei novamente a minha atenção para a mesa ao lado. A palavra estava com João Cabral de Melo Neto que puxou do bolso um caderninho surrado e disse – “Para comemorarmos este encontro, fiz um poema para ti, Carlos”, Francisco Brennand, baixou a cabeça segurou a tulipa de cerveja e disse – “Pronto, lá vem”.

Carlos notou que João Cabral de Melo Neto já tinha bebido bastante e não teria a menor condição de ler o poema que lhe havia escrito. A julgar pela quantidade de tulipas e garrafas de cervejas sobre a mesa, eles deviam estar bebendo ali a tarde inteira. Carlo Pena Filho, pegou no caderninho de João e leu o poema. Com os olhos cravados no caderninho surrado, via-se uma lágrima descendo os seus olhos do poeta Carlos, até a ponta do seu bigode. E claro, notava-se também que Carlos Pena filho estava tocado pelo fator alcóolico. “Lindo! Obrigado, João.”, disse-lhe Carlos, visivelmente emocionado com o poema. Francisco Brennand postou-se atento e disse, muito sério – “Posso ler?”. Brennand, dos três, foi o que menos havia bebido, pegou no caderninho e leu um trecho do poema que João Cabral de Melo Neto havia escrito para Carlos Pena Filho. “…Todos os verdes desse verde estão vivos, maduram, crescem: do caldo-de-cana que o tempo vai azedando e escurecendo aos dessas praias do Recife que mudam de segundo o arrecife, ao verde dos sapotizeiros que por noturno dá morcegos…” Carlos olhou para Brennand e disse lhe – “Amigo Chico, eu agora quero declamar um poema que escrevi para ti”. Brennand pegou novamente na tulipa e tomou de um gole só, a pouca cerveja que ali ainda estava. E eu ali ao lado, acabei esquecendo completamente que os meus amigos me haviam dado um bolo. Estava eu bebendo ali sozinho e ouvindo atendo o que os três que estavam falando.

Nesse momento, Carlos Pena Filho olhando nos olhos de Brennand, disse lhe – “Quando mais nada resistir que valha a pena de viver e a dor de amar, e quando nada mais interessar, nem o torpor do sono que se espalha, quando pelo desuso da navalha a barba livremente caminhar e até Deus em silêncio se afastar deixando-te na batalha. Arquitetar na sombra a despedida deste mundo que te foi contraditório, lembra-te que afinal te resta a vida. Com tudo que é insolvente e provisório e de que ainda tens uma saída, entrar no acaso e amar o transitório”. Brennand abriu um sorriso para Carlos e lhe deu um forte e demorado abraço. Nesse momento, um senhor se aproxima da mesa e João Cabral de Melo Neto anuncia: “Advogado José Francisco de Moura Cavalcanti, quanto tempo! Sente-se aqui conosco, se faz favor”, e rapidamente puxa uma cadeira para o homem sentar-se. O distinto e simpático senhor, aproximou-se da mesa, cumprimentou os três, agradece o convite e diz para Carlos Pena Filho – “Carlos meu amigo eu vim de carro, queres uma carona? Estou indo agora”. Carlos tomou a última cerveja, deixou uma nota de 100 reais na mesa e se despediu dos dois amigos, com um beijo em cada um. Brennand olhando espantando para os sapatos de Carlos, diz – “Rapaz, agora que notei os teus sapatos azuis, gostei visse.” Carlos Pena Filho responde sorrindo – “São para quando eu passar, deixar as minhas marcas”.

E lá se foi Carlos Pena Filho.

Foto de Amândio Cardoso

Amândio Cardoso é natural de Recife, nascido no Derby em dezembro de 1968, criado entre a Madalena e Casa Caiada, em Olinda. É luso descendente, filho de pai português e mãe pernambucana. Estudou em Olinda na infância, fez os seus estudos depois em Recife e formou-se em Publicidade pela Universidade Federal de Pernambuco. Viveu sete anos em Lisboa e três em Madrid, trabalhando em agências de publicidade nesses países. É publicitário, empresário e escreve.

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