De poeta para poeta

por ARMINDA JARDIM

Um amigo de Recife convidou pra escrever algo sobre Carlos Pena Filho. Lembrei de outro amigo de Recife, que faz tempo que não vejo (apesar de morarmos na mesma cidade, em bairros vizinhos), a recitar Carlos Pena Filho.

Fico pensando cá comigo: o que diria o poeta do azul se tivesse visto o azul de Ilhabela ? Ou se tivesse sido devoto do azul da Velha Guarda da Portela ?

Pois me comove mais a sombra do seu lindo verso “o quanto perco em luz conquisto em sombra” e menos o seu azul. Me comove mais o “amar o transitório” do que o lirismo e a permanência do azul (se nem mais o Savoy existe, o Savoy ! … aliás, como tanto do meu Recife parece não mais existir). Me comove mais a falta do amor do poeta “da mesma rosa amarela”, talvez por saber que tragédia mesmo é não amar.

“São trinta copos de chopp,
São trinta homens sentados,
Trezentos desejos presos,
Trinta mil sonhos frustrados”

O que dirão as mulheres, meu caro Pena Filho ? Evoco a Hilda Hilst pra nos ajudar, “ensombrada de azul” como só ela, talvez ela mandasse essa:

“Não falemos.
E que as vontades primeiras
permaneçam
gigantescas e disformes
sem caminho nenhum
para o mundo dos homens.”

(Hilda sentaria naquela mesa, certamente beberia todas e quebraria tudo !)

Eu humildemente desconfio que no caso das mulheres, em relação aos “desejos presos” e aos “sonhos frustrados”, no mínimo todos esses números seriam quadruplicados.

E aqui evoco a Wislawa Szymborska, poeta polonesa também contemporânea dele, em nome de “alguns gostam de poesia”, com seu feminismo apartidário, amante menos do azul definitivo do céu e mais da transitoriedade das nuvens.

“Somos filhos de uma época
e a época é política.

Todas as tuas, nossas, vossas coisas
diurnas e noturnas,
são coisas políticas.

Querendo ou não querendo,
teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
Teus olhos, um aspecto político.

O que você diz tem ressonância,
o que silenciou tem um eco
de um jeito ou de outro político.”

ou

“Alguns –
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.


Gostam –
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.

De poesia –
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.”

Seria um grande encontro entre eles, o poeta do transitório há de convir, pois me interessa o diálogo. Mas sim, o azul do poeta é universal, assim como são sua sombra e seus sonhos (quiçá pudessem ter sido “sonhos sussurrados” ao invés de “sonhos frustrados”). Pois o amor sobrevive, sim, sempre, mas não sem alguma dor, como bem sabem todos os poetas.

Se eu pudesse, daria também um Nobel a Pena Filho, por nada não, por pouca coisa, quase nada, apenas por poesia.

(Os canalhas, em sua maioria, odeiam poesia ! Marielle, presente !)


Arminda Jardim nasceu em Floresta (PE) e é formada em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco. Ativista do socioambientalismo há mais de 20 anos, mora atualmente em São Paulo. Tem publicado alguns livros infantis, como a “Coleção Jatobá” de ecoalfabetização e “O artista que teimava em ser muitos”.

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