Carlos Pena Filho: O canto e a palavra

por SÉRGIO DE CASTRO PINTO

Situando-se entre a Poesia Concreta e a Geração de 45, houve quem dissesse que “Carlos Pena Filho (…) foi ele mesmo para ficar sempre sendo o que foi”. Na verdade, optando pela contramão de um contexto inflacionado pelas experimentações vanguardistas, nem por isso deixou de criticar a Geração de 45: “(…) geração existente pelo que negou e inexistente pelo que poderia mas não ousou afirmar”.

Embora tenha emitido um julgamento desfavorável a propósito da Geração de 45, existem algumas ressonâncias formais e temáticas desse movimento na obra do poeta pernambucano. A começar pelo soneto, que cultivou exaustivamente, passando pelos meses – tematizados de janeiro a dezembro -, até a cor azul com que embebeu muitos dos seus poemas, Carlos Pena Filho mostrava-se tributário aos poetas da Geração de 45.Mas não o foi no essencial, ou seja, na linguagem, cujo coloquialismo o inscreveu numa região antípoda ao tom solene e austero da retórica cultuada por essa geração do pós-guerra. Assim mesmo, aqui e ali tropeçava num certo verbalismo abstrato, evanescente, tão ao gosto da maioria dos poetas desse movimento.

Algumas vezes o coloquialismo do seu discurso encerra, a par da musicalidade que o reveste, um apelo profundamente popular. Tanto que alguns dos seus versos foram musicados por Capiba, dentre eles “Claro amor” e “Poema de Natal”. A exemplo de Vinícius, abriu uma via de mão dupla na sua poesia, permitindo que nela transitassem, sem riscos de abalroamentos, o canto e a palavra.

Carlos Pena Filho soube mensurar a distância entre a emoção que se instala à flor da pele e a folha de papel. Distância que ele venceu através da linguagem, pois, não fosse assim, dificilmente conseguiria disciplinar os excessos de um temperamento regido mais pelo sentimento do que pela razão.

Nada ou quase nada assimilou do Movimento de 22, nem o humor e tampouco a ironia, quando se sabe que Manuel Bandeira, outro romântico congenial, lançou mão desses dois ingredientes para dissimular esse traço do seu temperamento.

Um acidente de automóvel interrompeu abruptamente uma poesia que mal se iniciara. A partir de então, a maioria da crítica decretou um silêncio quase tumular a respeito de seus livros. Quando muito, contrariando o que a propósito de Carlos Pena Filho escreveu Mauro Mota – “(…) foi ele mesmo para ficar sempre sendo o que foi” -, passou a ser considerado um poeta apenas promissor*, como se junto ao desastre que o vitimara tão precocemente tivesse perecido toda a sua obra. Uma obra “inteira que podia ter sido e que não foi”.

A longevidade de um autor nem sempre assegura o percurso ascensional de sua poesia. Uma trajetória poética nem sempre corresponde à travessia das piscinas olímpicas onde alguns atletas se superam e batem o seu próprio recorde. Às vezes acontece de o poema mais recente não superar em qualidade o que o precedeu.

Que Carlos Pena Filho valha pela poesia que lhe foi possível realizar até o instante em que a “indesejada das gentes” o arrancou do nosso convívio. Ademais, a se levar em conta o que sobre ele escreveu Mauro Mota, “quem morre no Recife engana a morte”. E “Carlos Pena apenas pensa que morreu”.**

* Apesar de ter falecido jovem, muito jovem, com apenas trinta e um anos de idade, deixou uma obra definitiva, plenamente incorporada ao patrimônio da poesia brasileira.
** Frase de Edilberto Coutinho.


Sérgio de Castro Pinto é poeta e professor. Ligado ao Grupo Sanhauhá, vanguarda poética paraibana, é traço e letra obrigatórios para quem quer estudar a poesia na Paraíba. Seu último livro, pelo selo Arribaçã, é O Leitor Que Escreve, estudos.

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